Vejam em anexo o relatório completo do chefe de polícia Dr. Melcíades Pedra em missão a Coxim em 1878.
   Vejam em anexo o relatório completo do chefe de polícia Dr. Melcíades Pedra em missão a Coxim em 1878.

RELATÓRIO DA SECRETARIA DA POLÍCIA DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO EM CUIABÁ, 16 DE FEVEREIRO DE 1878

   Ilmº e Exmº Senrº

   Daqui partindo para Coxim, em observância as ordens que V.Exª em sua sabedoria e na forma da lei se dignou dar-me, para sindicar e tomar conhecimento dos lamentáveis fatos ocorridos naquele lugar, em agosto do ano passado, de regresso à esta capital, cumpre-me prestar à V. Exª contas desta comissão, e ainda noticiar outros negócios e fatos que com quanto alheios ao objeto de minha comissão e viagem aquela remota paragem. Todavia, entendo merecem e reclamam a acurada atenção de V. Exª a fim de deliberar como julgar mais conveniente e acertado.

   Para melhor ordem e exposição de tudo, divido o meu relatório em três capítulos ocupando-me na formação de minha viagem de ida; no segundo de minha estada no Coxim; no terceiro e último de meu regresso. Inserindo neles a narração dos acontecimentos e fatos mais notáveis e do mais que no meu fraco pensar julguei de proveito intercalados na boa intenção de oferecer a V.Exª uma ocasião mais para enriquecer sua reta e ilustrada administração com atos dignos de si, da gratidão do povo e louvor do Governo Imperial.

   CAPÍTULO PRIMEIRO

   No dia 7 de dezembro do ano próxi o findo, levando em minha companhia amanuense interno da Secretaria de Polícia Gabriel Nunes Nogueira e mais dois soldados de polícia, embarquei no paquete “Coxipó”, e a 10 do mesmo mês aportei à Corumbá as 6 e meia horas da tarde.

   No dia seguinte requisitei ao Ilmº Senr Capitão de Mar e Guerra Antônio Cláudio Soido, Diretor do Arsenal da Marinha no Ladário, os meios necessários para condução minha e da minha comitiva dali ao Coxim, as quais só a 17 daquele mês me foram fornecidos e se compunham de uma lancha à vapor de nome – Pimentel, colando seis palmos de água e uma igarite cabendo 2 e meio a 3, esta última fretada a um particular, ambas guarnecidas por marinheiros de todas classes, inclusive imperiais: Como nenhum destes fosse prático no rio Taquari, requisitei ao Comandante da Fronteira uma praça para isso habilitada e afectivamente me foi dada.

   Durante a minha demora em Corumbá não me conservei em ociosidade; tratei da incidência (?) e desagradável desinteligência havida entre o Presidente da Câmara Municipal e o Delegado de Polícia, obtendo o mais completo e satisfatório resultado como anunciei em carta confidencial que dali tive a honra de dirigir a V. Exª.

 areconheceram a razão e sem razão que tinham e aceitou o meu conselho, ganhou com isso o serviço público, que hoje se faz regularmente. A  desarmonia do que falei, V. Exª recordará bem, provinha de medo porque era feito o contrato do fornecimento de víveres para os presoss, a inspeção de uma qualidade e quantidade etc, etc, cuja questão o Dr. chefe de polícia Leite Falcão, a quem supro no impedimento, deixo de pé, declinando sua resolução para a reta e ilustrada imparcialidade de V. Exª, logo que me anunicou a prontificação da lancha Pimentel e da Igarité, o que aconteceu a 17, como já disse, sem perda de tempo, e nesse mesmo dia embarquei, levando mais em minha companhia, além da gente de minha comitiva, o Tenente João Antônio da Trindade, Diretor do Núcleo Colonial de Coxim, que em Corumbá se achara, há tempo por falta de transporte.

   Partimos, e às 9 horas da noite, depois de ter penetrado a barra do rio Taquari passamos e acampamos em terra, visto não oferecer-nos acomodação para pousar e dormir, não só a lancha como o igarité. No dia seguinte começamos a navegar logo ao romper do dia acampando à noite no meio do pantanal em uma pequena iha, cuja área teria cem braças quadradas mais ou menos, nesse segundo dia de viagem, de uma livre e expontânea vontade, apresentou-me Joaquim do Carmo, dessertor da Marinha Imperial, que vinha remando uma pequena canoa de propriedade de um tal Juca Gomes, morador ribeirinho do Taquari, a quem servia como camarada: recebi-o à bordo e o admiti logo no serviço ativo da lancha e da igarité; onde se portou em toda margem tanto de ida como de volta, como bom marinheiro.

   No dia seguinte, 19, partimos ao amanhecer, a viagem deste dia foi trabalhosa; encalhamos e desencalhamos diversas vezes e (urgindo)? adiantar caminho, já em razão da decrescente do rio que corria a velocidade de 7 milhas, já para escaparmos as multidões de mosquitos que nos atormentavam, findo o dia, continuamos a viagem com a noite a fim de alcançarmos a casa do primeiro morador, a qual pertence ao tal Juca Gomes, de quem falei, ali com afeto chegamos a 1 hora da madrugada do dia 20. Caindo momentos depois um furioso temporal que a nós todos cansados privou do necessário repouso a ponto de obrigar-nos à falhar meio dia, tempo esse que em parte se empregou em rachar lenha bastante para alimentar a machina da lancha Pimentel. Embarcada a lenha partimos e fazendo no resto desse dia pouco caminho, em razão de tremenda encalhadela, apenas alcançamos o rancho de um tal Bernardo, onde passamos já com a noite.

   No dia 21, cedinho deixamos esse ponto e tivemos propícia viagem; andamos muito e tanto que podemos alcançar a casa de um indivíduo conhecido pelo nome de cadete Pinto, por quem fomos amistosa e perfeitamente recebidos. Nesse mesmo dia tive um grande susto: um marinheiro de nome Henrique espetou-se em uma lança de ferro que, em sentido oblíquo, lhe penetrou o ventre duas polegas e meia; dei o atendimento e tive o prazer de vê-lo são e salvo em poucos dias. Falhamos ali o dia 22, que foi também todo gasto em fazer lenha que bastasse para nutrir por dois dias a fornalha da machina; tomei a resolução de falhar esse dia aconselhado pelo cadete Pinto, que me informou não haver nos 2 dias seguintes de navegação lugar onde fazer lenha, pelo menos, tão boa e própria como a que tinha perto de uma casa. No dia 23 cedo pusemos nós a caminho levando eu a bordo o mesmo cadete Pinto, que me pediu o favor de conduzi-lo até a fazenda de um indivíduo de nome Manoel Vicente, e que me foi de suma utilidade.

    Nesse dia começou o meu maior tormento, encalhamos duas vezes e a muito custo desencalhamos safando-se a lancha quase a braço dos marinheiros; encalhamos terceira vez e então foi baldado todo o esforço para desencalhar; o canal apenas tinha 5 palmos d’água escassas; perdida de toda a esperança de navegar a reboque, tomei a resolução de seguir a zinga na igarité; deixando a lancha com ordem de subir ao meu alcance, se por ventura o rio crescesse como prometia; escolhidos os marinheiros que deviam tripular a igarité e os que deveriam ficar na lancha, e feita entre eles a divisão dos víveres que traziam em comum, nos separamos, e ainda me recordo o pesar que esse fato me causou; eu previa quanto tinha de sofrer e com efeito, nesse mesmo dia, tive uma pequena prova, pois que deixando a lancha e partindo às 4 horas da tarde apenas puder andar meia légua mais ou menos, sendo-me obrigado a acompanhar e passar em um lugar baixo, úmido e só próprio para habitação de animais, meus inseparáveis companheiros de viagem.

   Nesse dia e sua noite sofri tanta preguiça e moralmente, que ainda, acordando-o para referir, me figuro o estar passando.

   Pela mesma forma desse amargurado dia, navegamos os dias 24, 25, 26, 27, 28 e 29 ajudados também de uma pequena vela que se improvisou e envergou a um único mastro que tinha a igarité, quando (era 3 horas da tarde), de repente, um dos marinheiros avistando a lancha que subia à toda força em nosso socorro, gritando: a Pimentel!  Nesse momento senti uma grande alegria.

   Às 4 horas da tarde estávamos juntos e depois de atracar e amarrar seguimos e logo adiante em uma tapera abandonada paramos para fazer lenha e pousar. No dia seguinte, 30, cedinho nos pusemos a caminho, e com quanto a lenha encalhasse e se gastasse algum tempo em desencalha-la, chegamos às 11 horas do dia ao porto do Manoel Vicente; a viagem que conduzidos a vapor deveríamos ter feito em dois dias e meio quando muito, fizemos em 8, e mais gastaríamos se por ventura a sorte adversa que a lancha não nos alcançasse na tarde de 29 como já disse; aqui tive a triste certeza de não poder dar mais um passo avante retocado pela lancha a vapor: os canais depois de sondados tinham somente 5 palmos de água escassa.

   O resto desse dia gastou-se na sondagem do rio em busca de canal que oferecesse passagem, e tudo em balde.

   De novo, e que remédio, resignei-me a andar e terminar a viagem a vela, que sempre ajudava a vencer a correnteza do Taquari, que com mais propriedade se deveria chamar – rio ladeira, porque parece correr como uma ladeira abaixo, tal é a velocidade e rápida de uma corrente.

   No dia seguinte, 31 de dezembro, depois de ordenar que a lancha fosse descendo a proporção que o rio baixasse e em algum ponto me esperasse, para na minha volta rebocar a igarité até Corumbá, segui rio acima.

   Às 4 horas da tarde um vento fresco enchia a vela que impelia a igarité ao ponto de impedir e dispensar o trabalho da zinga; de repente cai um pequeno tufão que foi bastante para romper o mastro pela base no lugar de uma emenda, levando este consigo na queda a tolda de madeira, a que estava ligado; com mastro, vela e tolda foram na água alguns marinheiros e também eu, que de fato era um deles, como do pequeno barco o comandante.

   Felizmente a igarité levada pelo vento e correnteza do rio atirou-nos logo em um banco de areia para onde a força do braço fiz conduzi-lo, depois de se ter recolhido a tolda, mastro, vela e mais objetos que sobraram. Lembro que chovia durante todo esse trabalho.

   Depois de encostados à ilha, com paus e forquilhas, que nela mandei cortar, provisoriamente, organizei um novo toldo coberto com a lona de duas barracas que levava, sob o qual nos abrigamos e passamos a noite; assim terminou para mim e meus companheiros o ano de 1877.

   Raiou o dia 1º de janeiro de 1878 sob os auspícios de uma linda manhã, como vai ser a que sucede a um dia de tempestade; então desfez-se a tolda improvisada e, sob minha direção em 2 horas fabricou-se com os materiais da despedaçada na véspera em outra bem regular.

   Separada do mastro a parte inútil e colocado em seu lugar bem seguro aos cabos que foram reparados, envergamos de novo a vela e partimos.

   Neste pequeno naufrágio só tivemos a lamentar a perda da toda bolacha, todo açúcar e parte da farinha e sal em razão graça a copiosa chuva do dia anterior.

   O dia 2 passou-se sem novidade; o dia 3 na fazenda de um tal Lara, onde passei, prendi e recolhi à bordo um desertor da Marinha Imperial de nome José Antônio da Silva que ali vivia a 6 anos, já casado e com 2 filhos, dos quais conduzi-o um, o mais velho de 4 anos de idade, e o outro deixei-o com a mãe que recomendei a família do Lara, a alimentá-la à custa do meu bolso particular. Nessa fazende de a muito moram como 40 índios mandos da tribo Terena, que vivem da lavoura, criação de gado, caça e pesca, e fabricação preciosa redes. Viajamos sem novidades dinas de menção os dias 4, 5, 6 e a 7 pela tarde chegamos ao ponto de São José de Herculândia – Coxim – onde fomos recebidos por quase todos os habitantes do arraial e pelo subdelegado Antônio de Albuquerque, que me conduziu à sua casa, de onde depois me passou para uma outra que de antemão havia sido preparada para minha residência.

   Enquanto subia o rio Taquari a morosidade da viagem deu-me lugar a deparar bem suas belas margens, sua largura superior ao rio Paraguai e só em alguns lugares a deste igual, o volume de suas águas, sua profundidade sendo a menor de 5 palmos, sua correnteza sem par calculada por mim em 7 milhas por hora; a prodigiosa vegetação da cana de açúcar e de diversos cereais que ali cultivam e em abundância seus moradores, entre eles alguns de força regular como bem sejam Juca Gomes, Salvador de Arruda, Lara, um seu sobrinho de nome Domingos, Manoel Vicente, Carlos Antônio, o índio Joaná de nome Silvério ou Silvestre, Antônio de Albuquerque e outros.

   Com lástima notei que se destruíram as matas ribeirinhas e que com isso seus habitantes causarão impensadamente outros danos a eles mesmos e ao Estado com a derrubada de inúmeras árvores que de ordinário caindo sobre o rio por este levadas, tornando-se por isso perigoso e raso pela obstrução e bancos.

   Até Juca Gomes, primeiro habitante do rio Taquari, as margens são baixas e alagadas, é pantanal no rigor da palavra; dali em diante é acidentada até a frada da cordilheira do Coxim, que se vai prender a serra de Maracaju e que divide perfeitamente os terrenos baixos dos terrenos altos e firmes em todo tempo. Quem navega o rio Taquari observa uma curiosidade notável: este rio em épocas que não se pode calcular abriu caminho cortando a cordilheira perfeitamente ao meio. Pelo que me informaram seus diversos moradores, e mesmo pelo juízo que formei, creio não exagerar assegurando à V. Exª ser o rio Taquari navegável em todo o ano, sendo sua maior profundidade de 3 e meio palmos a 4 palmos na maior seca, e isto em muito poucos lugares.

   Se o digno Diretor do Arsenal de Marinha no Ladário tivesse na ocasião uma lancha a vapor de 4 palmos e meio ou mesmo 5 e meia, tivesse para me dar, teria feito em 6 dias a viagem que acabo de descrever, que só com grande sacrifício pude efetuar em 22 dias.

   A propósito me perto ponderá a V.Sª que em Corumbá V.Exª deve mandar por a disposição da polícia uma lancha a vapor, tão indispensável para o bom desempenho de Comissões dessa ordem e outras deligências policiais de toda importância q’ou se fazem mal, e tarde, ou nunca, por esse motivo: ainda me permite acrescentar que uma só lancha naquele ponto não é suficiente, e que aqui deve haver outra à disposição de V. Exª mesmo e ainda da polícia.

   Não sei se obro mal em expressar-me assim, mas, o que é verdade e forçoso confessar é que a Província de Mato Grosso tão extensa e tão cortada de  rios e quase todos navegáveis por navios de pequeno porte e daquele calado, não pode sem eles ser bem policiada.

   CAPÍTULO SEGUNDO

   Preocupado com a minha Comissão e desejoso de conclui-la, sem perda de tempo e logo após os oferecimentos usados entre cavalheiros, fui franco com o Senhor Antônio Luiz da Silva e Alburquerque, Subdelegado daquele distrito e que não estava em – exercício – abri-me com ele, disse-lhe a que vinha contando com sua ajuda: prometeu-me, e com efeito foi leal comigo. Por seu intermédio logo obtive homens por quem mandei chamar, já por terra, e já pelo rio em canoa, os inspetores de quarterões Benedito Paes de Campos e Prudêncio da Silva Rondoura (Fontoura?) e seus capangas, e as testemunhas dos fatos que por aquela ocasião se deram.

   A 10 de janeiro, reunidos no arraial os inspetores de quarterões de mi ha referência e as testemunhas, imediatamente dei princípio aos trabalhos, começando por auto de perguntas aqueles feitos, das quais consta ter sido João Ferreira Junqueira pela escolta morte em residência à ordem legal emassada de autoridade legítima e competente, e também mortos seus capangas Luziano de tal, Francisco Gomes, Hipólito Gomes e um paraguaio de nome José, fuzilados depois de presos sem a menor resistência.

   Apontaram a Florêncio José de Oliveira, conhecido por Maná, como autor do assassinato de Luziano, acontecido no dia 20 de agosto do ano passado no lugar denominado: Engenho de Serras, a vista de um deles que deu como versão de não haver preso em flagante, o estar presente Joaquim Anselmo de Santana, suplente de subdelegado.

   Apontaram o Cassemiro José da Silva, cabo d’esquadra do 3º Regimento d’artilharia a Cavalo e Comandante da escola militar como exclusivo e único autor do fuzilamento de Francisco Gomes, sobre quem disparara um tiro de carabina, cuja munição lhe levou metade da cabeça, isto no dia 21 de agosto daquele ano, no lugar denominado – Retiro – quanto aos fuzilamentos de Hipólito Gomes e José Paraguaio, nesse mesmo dia e hora, lugar e ocasião não indicaram seus autores, mas, disseram haver tanto a escolta militar como a de paisanos 9 porque destes também dela se compunha e ainda muitos outros paisanos que, ou por curiosidade ou por interesse, os acompanhou na deligência, sobre eles descarregados suas armas, ignorando-se toda essa gente ou parte dela.

   Não foi sem grande dificuldade –Exmo Sr. que pude arranca-lhes essa triste verdade que trêmulos narraram e que depois no decorrer do processo que levantei, foi confirmado pelo dito de 7 testemunhas ouvidas e ainda em conversa particular por muitas pessoas daquele lugar.

   É de lastimar, Exmº Sr. que a força pública cercada e sustentada pelo Estado para garantir a propriedade, honra e vida do cidadão cometa estes atos que a razão, a moral e a lei condena.

   Moralmente culpo por estes atos ao Comandante do Destacamento naquela época o Senr. Alferes Valente, que por ocasião de uma diligência tão importante, deixou-se ficar só no arraial com um soldado que lhe servia de criado, entregando o comando de todo os demais soldados do Destacamento, e que partiram para a diligência, a um cabo de tal moralidade a justiça pública, só educado para comprometer a justiça a si próprio e a ele, que segundo me constou procedeu assim por saber com antecedência que a maioria ou totalidade do povo daquele lugar não queria a prisão do Junqueira e seus capangas,e sim a extinção deles; por isso mesmo que esse Alferes Valente sabia do desejo do povo é que deveria ter ido em pessoa para impedir essa matança vergonhosa e improfícua aos olhos da lei e da justiça. Ao povo, a quem não estar reservado o direito de punir, ele forneceu agentes e armas homicidas. O povo no pensar de outros tivesse razão, para querer a morte daqueles homens, mas isto, em parte, não justifica o proceder de seus assassinos.

   Realmente Junqueira não era outra mais do que Chefe de uma horda de (sicários)? E bandidos.

   É horrível a história de seus crimes, contra a um homem, pelo qual foi processado e pronunciado e estava perseguido da justiça, tinha 23 mortes sabidas além de outras, ele e seus capangas eram o terror dos pais de famílias, a cujo filhos violentavam; e finalmente Junqueira era ladrão. Não menciono aqui todos os seus crimes ou quase todos por entender desnecessário, mas um deles pela sua esquisitice merece especial menção: Junqueira jurou matar a um indivíduo de nome Baltazar, o Capuchinho Frei Mariano Bagnaia vigário da Freguesia de São José de Herculânea assistir a Festa do Divino Espírito Santo e sabendo da entrada de Junqueira e seus capangas no arraial e da diabólica intenção que tinha de assassinar a Baltazar, prevalecendo-se da ocasião em que aquele (sempre rodeado de seus capangas) o veio visitar, intercedeu com a imagem de Cristo na mão pela vida de Baltazar; então Junqueira disse: decididamente nem o próprio Cristo me arranca esta intenção, e apesar como uma graça especial, promete-o não mandar, mas mesmo matá-lo com minhas próprias mãos.

   Junqueira nem essa mesma graça fez a Baltazar, que dias depois, dentro do arraial, publicamente foi assassinado por um dos seus capangas e a seu mando.

   Este fato me foi contado por muitas pessoas do Coxim, e para sair toda dúvida, quando em Corumbá cheguei de regresso, Frei Mariano me referiu tal qual devido, Exº Sr A dificuldade das autoridades policiais daquele lugar e criminosa covardia do Alferes Valente, Comandante do Destacamento, foi que Junqueira abusou tanto da paciência do povo e dos mandados da justiça pública. Esse oficial que chegou a ter a sua disposição 25 baionetas, comentou que meia dúzia de assassinos mal armados entrasse sem receio dentro do arraial, e aí cometesse toda sorte de tripilias; a sua vista um dia um desses assassinos amarrou a chincha dos arreios um pobre homem que lhe vinha pedir proteção e amparo e apesar de erivocado (?) e injuriado por palavras à ele dirigidas não reagiu, e o homem amarrado e arrastado: esse moço relativamente segundo me constou, e tudo é verdade acabou por transgredir, comerciar e entreter íntimos e amistosas relações com o Junqueira.      

   Devido ainda a proteção que Junqueira tinha de pessoas influentes desta Capital e altamente colocada o Governo e a Polícia, ambos empenhados em uma captura e punição, não boldadas os empenhos e esforços que fizeram.

   Das indignações, o que procede e que consta do respectivo processo que instaurei, resultou provada a resistência que Junqueira, à mão armada fez aos agentes da justiça a sua morte: ficou líquido o fuzilamento de Luiziano por Florêncio Maná, o de Francisco Gomes pelo cabo Cassimiro José da Silva, e desconhecidos os verdadeiros assassinos de Hipólito Gomes e José Paraguaio.

   A 9 soldados do Destacamento suspeitos e complicados nesses crimes fiz prender receando que sob o peso de tal execução desertassem.

   Para a prisão do importante criminoso Florêncio Maná, fiz diversas diligências e todo o possível, mas sem resultado, em razão da proteção que no seu favor se desenvolveram e até, não sem fundamento se me quis persuadir de que o seu maior protetor era Prudêncio José Martins, Subdelegado Suplente em exercício, pelo que me vi forçado a dirigir junto, e em cujo cumprimento me enviou ele o documento que em original também junto.

   Não bastaram os trabalhos e incômodos que me davam o processo e mais diligências, quando pela manhã de 14 de janeiro me vem o marinheiro encarregado do serviço da igarité avisar que pela noite o desertor da marinha que eu havia prendido no Lara, de nome José Antônio da Silva, prevalecendo da escuricidade da noite, que realmente foi tempestuosa, em uma pequena montaria tinha fugido, levando consigo seu filho.

   Imediatamente tripulei duas montarias, uma com marinheiros e outra paisanos e as despedi para capturá-los; este fato alterou o meu espírito já cansado e batido de contrariedades que não se escrevem.   

   O que venho de dizer é o resultado de sérias e confidenciais revelações, de indignações à que procedi e de processo de formação de culpa.

   Feitos os autos de qualificação aos seus presentes, os respectivos interrogativos e inquisição de testemunhas, suspendi a fase ali para esse Corumbá, cabeça da Comarca, depois de ouvir o promotor público, dar o meu despacho de permanência ou não permanência. Não quero esquecer e omitir um importante serviço que prestei logo de chegada ao Coxim: encontrei ali o coletor das rendas provinciais em luta com os negociantes e criadores de gado daquele lugar em razão da cobrança de um imposto sobre sal, e de atravessamento de gado de um lado para outro do rio Taquari.

   O coletor cobrava aquele primeiro imposto por vez dos livros e mais papéis da coletoria que seus antecessores igualmente cobravam. Os negociantes resistiam ao pagamento alegando que imposto sobre sal, que era municipal e aprovado por uma lei provincial, tenha sido por outra lei provincial derrogada. O coletor pouco prudente, apesar de cobrar de boa fé, parece importando-se com a grita dos negociantes, contra eles usava dois meios mais extremos e vexativos da lei o embargo. V. Exª compreende quanto é odioso o imposto, qualquer que ele seja, e quanto o seu pagamento o povo sempre se resiste, e agora imaginando que ele é exigido quando o povo sabe da abolição da lei, fará uma ideia aproximada da luta travada entre o coletor e os negociantes daquele lugar. Minha chegada aquele lugar foi muito a propósito; o coletor a conselho meu suspendeu aquela cobrança, passando de novo a consultar ao chefe de sua repartição, a quem já havia consultado a respeito e de quem ainda não tinha resposta. Este pequeno fato que em outra qualquer parte nenhuma importância teria, no Coxim poderia ser de grave consequência, a vista do grau de exaltação do coletor e negociantes.

   Outra questão lá deixei sem lhe dá remédio que depende de medidas legislativas provinciais.

   Uma lei provincial, não sei de que ano, lançou contra os boiadeiros ou compradores de gado nesta província o imposto de 5#000 por cada cabeça de vaca ou novilha que dela exportassem, cobrável este imposto a margem direita do Taquari, antes do atravessamento para a esquerda. Peço licença a V, Exª para declarar que esta lei é má e de tristes consequências. O fim que tiveram os seus fatores em vista foi impedir na Província de Mato Grosso a diminuição do gado com a vinda e exportação que em larga escala se fazia da semente e só é, da vaca e da novilha.

   Este imposto deveria ser carregado não contra o boiadeiro comprador e exportador do gado e nem contra o fazendeiro criador, e a razão é simples, isto não pode alegar ignorância da lei de sua Província, aquele, de ordinário, homem rústico e ignorante, e a quem só não pode aproveitar a ignorância das leis gerais que seguem o Império; não digo em absoluto, mas de alguma forma tem motivos para alegar a ignorância da lei provincial, senão justos ao menos razoáveis e imperativos; depois o que deve impedir é que se venda e não que se compre. Este imposto não foi criado na intenção de aumentar as vendas da Província e sim como uma pena, e não é justo e nem razoável que a sofra e suporta só o boiadeiro comprador, justamente. E a meu ver, o menos culpado, quando muito admito que esta pena seja imposta à ambos, isto é, vendedor e comprador. Vindo este último de fato, e sempre à carregar com toda ela, porque o criador fazendeiro de Mato Grosso aguentaria no preço do gado vendido o que pela lei tivesse de pagar, isto é, a metade do imposto.

   Esta lei traz para os mesmos fazendeiros e criadores de gado, daquele lugar, gravíssimos inconvenientes, e os põem sempre em cheque com o agente da cobrança de semelhante imposto. A lei dispõe o lançamento e cobrança deste imposto logo ao atravessar o rio Taquari, que em quase todo o seu curso somente atravessa a banha terrenos da Província de Mato Grosso.

   Acontece ultimamente com muita frequência que os fazendeiros da margem direita compram e apossam-se de terras do outro lado do rio, isto é, à sua esquerda; na ocasião que as querem passar com gado de criação e deles vão fazer a passagem, apresenta-se o coletor exigindo o pagamento do imposto: eis a luta travada. O fazendeiro alega que atravessa o seu gado para criar dentro da Província de Mato Grosso e em suas terras do outro lado do rio, o coletor, que não estar por isso, e a quem a lei obriga

o imposto das cabeças de vacas e novilhas que atravessam o Taquari, logo no ato do atravessamento, isto é, na beira, confunde então o fazendeiro criador com o boiadeiro comprador, inata pelo pagamento e afinal, ou impede a passagem do gado, ou no caso de efetuada esta, contra o fazendeiro precede na forma da lei.  

   O coletor que lá está e que assim tem procedido já contra boiadeiros e fazendeiros com sério risco de vida, me deu como razão de seu procedimento o fato conhecido e averiguado por estes últimos empregado para iludir a lei, diz eles que o fazendeiro passa o gado não para criá-lo, sim para vendê-lo ao boiadeiro, confessando haver acepção.

   As consequências funcionais, que da aplicação desta lei , e estão patentes, e como chefe da Província não posso deixar de provocar e interessar-me pela sua reforma ou derrogação que V. Exª pode, oportunamente propor se pensa comigo, que estou convencido de que ela de futuro dará lugar a lamentáveis desgraças que devem prevenir.

   O Coxim (propriamente São José de Herculânea), pela sua posição topográfica, está fadado para ser uma grande cidade comercial. É banhado por um rio como o Taquari de que já dei uma imperfeita ideia e que repito da navegação em toda estação do ano a barcos a vapor de 3 e meio a 4 palmos d’água; intretem com as províncias de Goiás e Minas Gerais e especialmente com aquela; de Goiás entra ali anualmente mais de duzentas carretas carregadas de açúcar fina e outros produtos e voltam levando especialmente sal de que muito carecem. Este comércio tem aumentado por diversas causas: 1ª o (terror) que aos viandantes carreteiros e tropeiros causava o célebre Junqueira já finado e seus capangas; 2º os criminosos em crescido número que vieram homiciados (?) na divisa entre esta província e a de Goiás em um lugar chamado = Baús=, distante do arraial de São José de Herculânea, cerca de 50 léguas, onde não são perseguidos; 3º a cobrança de impostos provinciais que se lhes faz e que seria medida econômica cessasse por enquanto; 4º e última o não se fazer entre Coxim e Corumbá uma navegação regular por paquete a vapor que facilite a comunicação entre as autoridades superiores da Província e os inferiores de lá e que servem de ludibrio aos desordeiros e criminosos, justamente porque não recebem prontos socorros de quando se oferece ocasião. Por outras causas ainda São José de Herculânea apesar de uma própria riqueza não se tem desenvolvido, como forçosamente no futuro se desenvolverá.

   Sendo como é um Núcleo colonial, os Diretores que tem tido nada tem feito, ociosos se tem limitado a receber dos cofres gerais os mal ganhos ordenados.

   O Arraial de Herculânea se compõe de umas 25 casas feitas todas, não por colonos, que o Coxim nunca foi senão uma colônia imaginária, mas por brasileiros filhos desta Província e das outras limitrópolis para ali atraídos pela amenicidade (?) do clima e pela riqueza do solo, cujos pastos criam o melhor gado vacum da Província. Lá nem ainda se fez uma casa para alojar se quer pobremente, os soldados do Destacamento, que vi aboletados em um rancho de palha indigno e impróprio até para curral de vacas.

   Não tem crescido porque sendo como já é freguesia até hoje não foi provida do respectivo parocho (pároco), mal eu V. Exª se deve esforçar por obviar: a religião congrega os povos do lugar de suas práticas, e gera vilas e cidades – o homem, como Cristo muito bem disse, não vive só de pão, e por isso, é que em Herculânea abundando o trigo e o gado, mas faltando o pão espiritual, a Vila e a cidade.

  Não tem finalmente crescido porque a justiça fica muito longe em Corumbá; onde é penoso vir em busca dela. Segundo me consta está criado o Distrito de Paz, naquele lugar; e se é exato isto, o que é verdade e afirmo é que a lei de sua criação até hoje não teve execução o que é para lastimar, porque realmente o povo daquela freguesia e seu recôncavo precisa do Juiz de Paz para decidir de sua ( ) questões e outros negócios.

   Concluindo este já muito estizado capítulo digo que o Coxim, na minha fraca opinião, é dotado o interior da Província de Mato Gross o ponto mais importante e de mais futuro porque tem em si imensas riquezas e o famoso Taquari, caminho que Deus fez para por ele, descerem ladeira abaixo os habitantes de uma grande zona da Província de Goiás com seus produtos.

   CAPÍTULO TERCEIRO

   Relativamente a minha comissão nada mais tendo a fazer em São José de Herculânea, anuncio minha partida para o dia 17 de janeiro, e com efeito pelas 7 horas da manhã desse dia parti trazendo comigo, presos, 9 soldados do Destacamento daquele lugar justamente os implicados nos assassinatos de Junqueira e seus capangas, 6 outros para guarda e segurança daqueles sendo os soldados, tantos os 9 presos como os 6 de escolta, quase todos casados com filhos, suas mulheres, de que seria uma desumanidade separá-los.

   De véspera, fretei uma igarité toldada e tripulada por 7 homens paisanos para conduzi-la até Corumbá e dispus mais de um homem do Destacamento, também casado e de toda probabilidade, com sua mulher e filhos as acompanhasse, encomendando-lhe e recomendando-lhe todo o cuidado com a família dos outros seus camaradas.

   Fiz com que todas as rações, tanto dos soldados presos como dos da escolta, fossem integralmente todas às suas mulheres e filhos, e calculando que isto não lhes bastaria entreguei ao soldado que com elas tinha de vir a quantia de 10#000 reis para compra de manutenção que chegassem e sobrassem, e a alguma quem o fornecedor não entregou quase nada das rações de seus maridos, cobrando-se destes o que eles lhe deviam, dei algum dinheiro bastante para racioná-las igualmente as outras.

   Na véspera também aconselhei ao coletor das rendas provinciais desse algum dinheiro ao índio terena Capitão Bueno que ali se achava conduzindo 60 e tantos índios de uma tribo, e que se dirigiam a esta Capital de ordem e a chamado de V. Exª.

   O Capitão Bueno não tinha mais mantimento algum e tão pouco dinheiro com que comprá-lo: o coletor ouviu o meu conselho e à minha vista, deu dos dinheiros provinciais à aquele capitão a quantia de 200#000 reis.

   Ao meu embarque assistiram e me acompanharam o Subdelegado e seus suplentes, o professor público. No dia 17, o primeiro de minha viagem de volta, encontrei que vinham de rio acima as duas montarias que tripulei e despedi atrás e em busca de José Antônio, o desertor da Marinha Imperial, de quem já falei, me refiro tê-lo preso e que em caminho se tinha evadido de novo atirando-se na água sem que meus homens pudessem agarrá-lo. Tomei logo por mentira e de fato eles mentiram; o homem escapou pelo desleixo deles, quando foram cortar canas, isso soube pela gente da outra montaria, a dos paisanos, sob a direção de um inspetor de quarterão, e que vinha mais atrasada. Parecendo-me que por futuro pudesse ainda capturar por terceira vez aquele desertor, forcei a viagem e a meia noite se faria o cerco de seu rancho que demorava mas terras do fazendeiro Lara e perto da casa de sua  residência, tudo foi um balde. Uma vez concluída esta infrutuosa operação seguimos, e a 1 hora da madrugada atracamos ao porto daquele fazendeiro, onde dormimos e amanhecemos.

   Em compensação a viagem forçado do dia anterior naveguei pouco o dia seguinte 18. Nesse dia apenas chegamos a fazenda de um excelente homem de nome Carlos Antônio atracamos e, apesar de ser cedo, 1 hora da tarde, ali ficamos sendo por ele bem recebidos e tratados. Ao raiar do dia seguinte, 19, saímos e navegamos todo esse dia, traçando em alguns moradores para tomar fôlego; continuamos toda a noite e ao despontar do dia 20 chegamos ao porto da fazenda do Cadete Pinto, de onde depois de alguma demora suficiente para tomar alguma refeição e algum repouso, desatracamos e partimos neste mesmo dia, às 2 para 3 horas da tarde ao porto do Juca Gomes, ali estava a lancha a vapor Pimentel – o resto deste dia foi necessário sacrificar, já para fazer lenha de que o Pimentel carecia para alimentar sua machina e moer-se, e já para dar a tripulação da igarité e de mais gente descanso bastante para refazer as forças gastas.

   Às 3 horas da madrugada do dia 21, depois de dado o reboque à igarité, largamos daquele porto. A lua brilhava de um modo surpreendente e refletindo nas águas do rio fazia o de prata, deixando bem ver nele os troncos de grandes árvores nele mergulhados e que o tornam tão perigoso e temido. Logo ao amanhecer, já era claro o dia a lancha que caminhava a toda força de uma machina, por erro do timoneiro que a desviou do canal, foi sobre um grande banco, e só depois de grande esforço da própria machina, da tripulação, dos soldados que eu trazia, tanto os presos como os que escoltavam, e ainda dos ordenados de policias, sofreu, gastando-se nisto uma hora e um quarto.

   Enquanto se trabalhava para desencalhar a +Pimentel+ um homem a quem por favor tinha dado passagem de um certo ponto do caminho até Corumbá, lugar do meu e seu destino, vendo surgir da escotilha da poupa da igarité uma figura como a de um homem parecida, perguntou-me admirado – como está aqui aquele indivíduo? E diz-me, sem esperar resposta daqui a momentos o patrão daquele homem supondo-o a seu bordo, mandará em busca dele reclamando sua entrega. Felizmente não aconteceu durante o encalho e nem na continuação da viagem.

   Fiz-me necessário explicar à V.Exª a existência daquele ente a bordo. Uma em minha volta, quando já me achava pronto e preste a largar da barranca ou porto do engenho e fazenda de um proprietário, cujo nome por conveniência omito, de repente, uma massa que se movia, e para bordo avançava à custo semelhando um bicho, um animal para mim desconhecido; parado e atento a seus pesados movimentos, deixei que se aproximasse; uma vez juntos a mim de súbito o figurado bicho, erguendo as mãos e pondo-as em suplicante atitude em voz doída e entrecortada fala-me assim: senhor, por piedade tire-me daqui, salve-me a vida, dê-me a liberdade!!!

   A princípio supus tudo um sonho horrível, mas depois conheci que quem me falava era um ente da espécie humana transformado pela miséria e sofrimento; triste e vergonhosa realidade!!! Dava nojo a roupa esfarrapada que vestia: estava monstruamente inchada, e pálidas e transparência era da cera branca; exalava um cheiro nauseabundo, o cabelo tinha o crescidíssimo, as unhas grandes, seu todo do mais difícil desenho inspirava a mais nova compaixão. Naturalmente condoído de sua sorte , levantei-o de meus pés e dei-lhe a proteção que todo homem educado e principalmente o chefe de polícia não lhe podia negar. Hoje este homem, que a Providência Divina confiou aos meus cuidados já dá esperança de vida.

   Seu amo, segundo ele depois me referiu, testava-o  cruelmente ainda com mais rigor que a seus escravos; prendia-o em tronco pelo pé e também pelo pescoço, castigava-o corporalmente e obrigava-o aos mais duros e inconvenientes trabalhos, como o por exemplo o de tê-lo meses a vigiar uma roça em um lugar ermo, úmido na seca e alagado no inverno. Refiro-me mas que nas suas condições de miséria e doença, ainda lá ficaram outros seus companheiros de infortúnio e entre eles uma mulher de nação paraguaia.

   Soube disso mais tarde senão teria ido em socorro destes últimos desgraçados.

   O peão nesta Província, não tendo trabalho, entre os fazendeiros e proprietários buscava um patrão: verbalmente ajunta-se e contrata-se com ele; está perdido, se o patrão não dá moralidade de muitos que conheço e de que me tenho informado, e que por fortuna compõe o maior número. Ao peão logo nos primeiros dias o fazendeiro ou proprietário desta espécie vende por um preço fabuloso os objetos que lhe pede, e dá-lhe ou adianta-lhe mesmo algum dinheiro; está cativo porque nunca mais o peão paga a sua dívida; e só do seu poder escapa se for um símile de compra e venda algum outro fazendeiro ou proprietário o resgate pagando-o por ele que apenas se muda de cativeiro, isto é, de patrão.

   Se o peão foge, imediatamente por terra e água, o patrão dispõe de gente armada para agarrá-lo. Respeito a peões, sua captura e castigos se os amos são mais que o Juiz de Paz, Subdelegado, Juiz de Direito, Chefe de Polícia e Presidente da Província, que todos pelas leis que nos regem não tem atribuições para tanto, e das que tem usam em outra forma: alguns há que gozam do – juiz vitos at nicis.

   O patrão daquele infeliz, de quem já falei a V. Exª pratica assim, e a bem pouco tempo um peão seu, a quem mandou prender na fazenda de certa pessoa, foi pela gente encarregada da diligência, morta, ou em caminho por essa gente ou lá por eles. Os fazendeiros ou proprietários de quem falo (que é a excepção) preferem sempre para peões ou camaradas os assassinos ou desastres, primeiro porque os fazem (verdugos) do que não tem estes pecados, segundo porque são os meios dóceis e sujeitos em razão do temor ao justo castigo que a justiça pública lhes tem reservado.

   Se tivesse autoridade para tanto me animaria a aconselhar a V. Exª a conveniência de mandar pelas fazendas desses senhores feudais (alguns bem conhecidos) a alguém em comissão especial munidos de poderes legais para sindicar, tomar conhecimento perfeito desses atentados cometidos com o maior revoltante escândalo, e com escarnio e ludibrio das leis e seus costumes. Seria uma medida de alto alcance que em resultado daria vida e execução as leis de 1830 e 1837, que regulam as recíprocas obrigações e direitos entre o peão e o patrão, isto é, entre o locador e o locatário.

   A história do peão ou camarada que libertei das garras do seu desalmado patrão, e as considerações que com tal motivo entendi deves consignar aqui tem cortado o fio do conto da minha viagem de regresso a qual quero terminar e não posso com a parcimônia e brevidade que era para desejar. Em prejuízo dessa brevidade a notícia e conhecimentos de certos fatos me obrigam ainda a uma dignessão(?). V. Exª proposta do Diretor Geral dos Índios nomeou um tal Manoel Vicente, morador ribeirinho do Taquari, Diretor da Tribo Guaná, recorda, pois bem. Agora em boa fé digo que o diretor geral dos í dios foi iludido, senão, não teria feito tal proposta, que V. Exª aceitou só pela confiança que lhe inspira aquele venerando e probo cidadão digno de respeito e estima de todos. O resto da quase extinta tribo Guaná = que habita às margens do Taquari, não vive mais errante e em estado de barbárie, fala o português perfeitamente bem, vive de comércio da lavoura e de algumas suas casas e sítios; há um entre eles de nome Silvério ou Silvestre (não recordo bem o nome) que tem engenho de cana de açúcar, sabe ler e escrever, enfim que é lavrador de alguma força quase igual a do seu Diretor de hoje. Manoel Vicente apenas teve em mãos o título de sua nomeação fez o seguinte: enviou-lhe portadores com ordem de as terras por bem ou por mal, a fim de reuni-los e aldeá-los perto da casa de sua residência e em terras de que se acha de posse. Os índios, se como era natural, desobedeceram a semelhante mandado, e dirigidos pelos mais ladino deles – o tal Silvério ou Silvestres – estão dispostos opor-lhe forma resistência; por outra parte Manoel Vicente, que é cabeçudo e se julga com poderes e autoridade sobre eles, quer a todo transe ser obedecido e se prepara para a luta. Eis o fato tal qual me referiram pessoas dignas de todo crédito e que mesmo do tal Diretor dos Guanás me deram todas as informações pouco lisonjeiras. Eu conheci pessoalmente a esse juizo que formei me parece que ele longe de poder dirigir os índios carece de

diretor.

   Temo que ele em breve dará incômodos e as suas imprudências.

   A viagem do dia 21 teve ainda seus acontecimentos que não valem apenas dar a conhecer e só direi que pelas 6 e meia horas da tarde desse dia, depois de passar de algum risco a garganta do rio Taquari subi em demanda do porto de Corumbá, onde findou as 2 horas da madrugada do dia 22. A essa mesma hora, depois de dar as convenientes ordens a cumprir-se logo ao romper d’alva desembarquei só, chegando às 3 em casa do ammanuense externo da polícia Ponciano Guimarães que assustado me recebeu. Eu parecia um fantasma, um cadáver ambulante tão assombrosa era minha imagem e palidez, e ainda a cor de meu traje emporcalhado nas lamas do barranco do porto e das ruas das vilas, onde por muitas vezes cai em razão de minha debilidade e fraqueza permanente de grave incômodo de saúde.

   O tempo gasto em subir o rio Taquari justifica o nome de ladeira – com que o chamei.

   Em Corumbá depois de expedida pelo Promotor Público daquela Comarca a vista que do processo lhe mandei dar, pronunciei unicamente aos réus Florêncio Mane e Cabo Cassimiro, aquele autor da morte de Luiziano e este de Gomes incursos nas penas do art. 192 do Código Penal, não pronunciando aos demais autores dois capangas de Junqueira por falta de provas.

   Por último julguei justificado o delito dos autores da morte do Junqueira, resultando como resultou, provado do processo, a resistência que ele a mão armada fez pondo suas vidas em eminente perigo.

   Só no dia 27 de janeiro, dia de minha partida de Corumbá, foi que a última hora, pude dar os despachos e sentença de minha referência, devido essa demora ao meu milindroso estado de saúde.

   Do mais, eu fiz em Corumbá o que aconteceu em viagem dali até o porto desta Capital já tive a honra de dar contas a V. Exª em meu ofício reservado sob o nº 2, começando, como então disse, por ordem deveria acabar este meu relatório.

   Cabe-me o rigoroso dever de recomendar a consideração de V. Exª o amanuense interno da Secretaria de Polícia Gabriel Nunes Nogueira que me acompanhou em qualidade de escrivão prestando relevante serviço digno de todo louvor. Terminando este enfadonho relatório, em paga de meus sacrifícios e prêmio de meus serviços de tão boa vontade prestados, só espero a aplicação do que fiz e benigna tolerância para o que me pareceu conveniente e  renovo os protestos da minha mais fina estima e consideração.

   Em additamento.

   Tenho o prazer de anunciar a V. Exª que sua S. Exª o Senr Dezembargador Presidente da Relação do Distrito, para quem na forma da lei recorri dos meus despachos de pronuncia dos rios Cassimiro e Florêncio, de não pronuncia de outros etc, se dignou confirmá-los em todas suas partes, e que, visto a integridade e ilustração daquele digno Magistrado, prova demadiado o acerto do que andei.

   Deus guarde a V. Exª.

   Ilmº e Exº Sr. General Hermes Ernesto da Fonseca, Digníssimo Presidente desta Comarca.

   Melcíades Pedra

   Chefe de Polícia Interino

 

   Anexo:

   Olá João e Luiz,

   Vejam em anexo o relatório completo do chefe de polícia Dr. Melcíades Pedra em missão a Coxim em 1878.

   Esse Melcíades foi casado com a irmã do Solano Lopes e ainda hoje existe o Cartório Pedra em Corumbá, de seus descendentes.

   A Luzinete do APMT localizou e transcreveu para mim, é muito interessante. Eu diria é uma preciosidade. Fala do Totó Albuquerque em algumas passagens.

   Me deixou impressionado a dificuldade que ele teve de navegar entre Corumbá e Coxim, será que era por ser ainda período de seca (dezembro), ou será que era sempre assim?

   No álbum gráfico do MS, vemos que em 1914 houve apenas 15 viagens de barco entre Coxim e Corumbá, o que me pareceu muito pouco.

   Um abraço, Ely.

   Nota:

   Pe. Carlos Danilo Tonello transcreveu todo o texto . Procurou ser fiel ao documento. A cópia que lhe foi entregue está arquivada na Paróquia São José em Coxim e foi entregue uma cópia deste documento ao Museu de Coxim.                       08 de agosto de 2009.

   OBS:

   Pe. Waldemar Agostinho Barros digitalizou o texto do  relatório, na íntegra, por entender de suma importância, ficando em seu arquivo e no site do Parque Temático de Coxim. 18.9.2017 

PARCEIROS DO PARQUE